Quem ouve fado também se expõe e se abre
"PEDIR desculpa por gostar de fado é um desporto nacional e até já o pratiquei em jovem com algum entusiasmo, mas hoje não só se me esgotou a paciência como se me avoluma a abominação. Afinal, o blablá do blues, da música urbana e da cultura popular destina-se a justificar o quê? Uns dizem que gostam de fado porque são de direita; outros porque são de esquerda; uns para parecerem aristocratas; outros para parecerem do povo.
Eu gosto de fado. E não, como também é mania dizer à laia de desculpa, só de «certos» fados e «certos» fadistas em «certas» casas, quando as circunstâncias são não menos «certas». Como todas as pessoas que gostam realmente de fado, eu gosto de fado e pronto, está tudo dito. Imagine-se se as pessoas que gostam de vinho ou de futebol também tivessem sempre o cuidado culposo de especificar que só gostavam de certos vinhos e certos anos; de certos clubes e certos jogadores - e «desde que sejam bons», claro. Pensando bem, «imagine-se» o tanas: é o que quase todos os portugueses fazem.
Gosto de fado porque o fado me surpreende e transtorna; me puxa lá para dentro e me dá a ver uma parecença, uma igualdade que me comove. Gosto da honestidade e da coragem do fado; da falta de vergonha de sofrer ou de se mostrar enganado; do egoísmo e da orgulhosa falta de ambição; da dignidade, por muito desiludida e deitada abaixo, que só o fado pode ter. Mesmo quando é mau. Mesmo quando é mal cantado.
Ir ouvir uns fados é precisamente isso e não só não precisa como não deve ser mais nada. Quem ouve também se expõe e se abre. E depois há uma troca que às vezes explode e floresce. O fado é coisa forte e deita-nos abaixo quando nos deita a mão. Mas levanta-nos sempre, num ardor de conhecimento, de mais uma imperfeição da alma, de mais uma sabedoria do tempo. Com o fado, aprende-se.
E é, ao mesmo tempo, tanta coisa de malandrice e de fingimento; de ver-se-pega e de engate; de exagero e elegância; de humor e de desprendimento; que nunca nos deixa sequer começar a definir o que o fado é.
E é assim mesmo que se gosta do fado." (in expresso 24 de stb 2006)
"PEDIR desculpa por gostar de fado é um desporto nacional e até já o pratiquei em jovem com algum entusiasmo, mas hoje não só se me esgotou a paciência como se me avoluma a abominação. Afinal, o blablá do blues, da música urbana e da cultura popular destina-se a justificar o quê? Uns dizem que gostam de fado porque são de direita; outros porque são de esquerda; uns para parecerem aristocratas; outros para parecerem do povo.
Eu gosto de fado. E não, como também é mania dizer à laia de desculpa, só de «certos» fados e «certos» fadistas em «certas» casas, quando as circunstâncias são não menos «certas». Como todas as pessoas que gostam realmente de fado, eu gosto de fado e pronto, está tudo dito. Imagine-se se as pessoas que gostam de vinho ou de futebol também tivessem sempre o cuidado culposo de especificar que só gostavam de certos vinhos e certos anos; de certos clubes e certos jogadores - e «desde que sejam bons», claro. Pensando bem, «imagine-se» o tanas: é o que quase todos os portugueses fazem.
Gosto de fado porque o fado me surpreende e transtorna; me puxa lá para dentro e me dá a ver uma parecença, uma igualdade que me comove. Gosto da honestidade e da coragem do fado; da falta de vergonha de sofrer ou de se mostrar enganado; do egoísmo e da orgulhosa falta de ambição; da dignidade, por muito desiludida e deitada abaixo, que só o fado pode ter. Mesmo quando é mau. Mesmo quando é mal cantado.
Ir ouvir uns fados é precisamente isso e não só não precisa como não deve ser mais nada. Quem ouve também se expõe e se abre. E depois há uma troca que às vezes explode e floresce. O fado é coisa forte e deita-nos abaixo quando nos deita a mão. Mas levanta-nos sempre, num ardor de conhecimento, de mais uma imperfeição da alma, de mais uma sabedoria do tempo. Com o fado, aprende-se.
E é, ao mesmo tempo, tanta coisa de malandrice e de fingimento; de ver-se-pega e de engate; de exagero e elegância; de humor e de desprendimento; que nunca nos deixa sequer começar a definir o que o fado é.
E é assim mesmo que se gosta do fado." (in expresso 24 de stb 2006)
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